O hiperfoco é um fenômeno que reflete a completa absorção de uma pessoa numa tarefa, a tal ponto que a pessoa parece ignorar completamente ou 'desligar' todo o resto. Sendo que na literatura psiquiátrica o termo frequentemente utilizado é o hiperfoco e na literatura relacionada ao campo da psicologia positiva o termo é fluxo, apesar da fenomenologia ser quase idêntica. Logo, a literatura de fluxo pode ser usada como uma estrutura para entender o hiperfoco.

Geralmente, o hiperfoco ocorre quando uma pessoa está engajada numa atividade particularmente divertida ou interessante. Um exemplo de hiperconcentração, é quando uma criança fica envolvida em um videogame a ponto de não ouvir os pais chamando pelo seu nome. 

Embora, a maioria das pessoas neurotípicas relatem ter experimentado um estado semelhante ao hiperfoco, em algum momento de sua vida, ele é mais frequentemente mencionado em quadros clínicos de autismo, esquizofrenia e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade - condições que têm consequências nas habilidades de atenção.

Assim, em termos técnicos, a hiperfocalização se caracterizada por concentração intensa em atividades interessantes e não rotineiras acompanhada por percepção temporariamente diminuída do ambiente.

Por certo, há quatro características gerais ou critérios de hiperfoco que são relatados de forma consistente:

I.   O hiperfoco é caracterizado por um intenso estado de concentração/foco.

II. Quando as pessoas estão envolvidas tarefas de hiperfoco, estímulos externos não relacionados não parecem ser percebidos conscientemente; às vezes relatado como uma percepção diminuída do ambiente.

III.  Para se engajar no hiperfoco, a tarefa deve ser divertida ou interessante.

IV.  Durante um estado de hiperfoco, o desempenho da tarefa melhora.

Por sua vez, as condições para entrar no hiperfoco incluem:

·  desafios percebidos, ou oportunidades de ação, que aumentam, mas não superam as habilidades existentes;

·  objetivos proximais claros e feedback imediato sobre o progresso que está sendo feito.

Nessas condições, a experiência se desdobra perfeitamente de momento a momento e a pessoa entra num estado subjetivo com as seguintes características:

·  concentração intensa e focada no momento presente;

·  fusão de ação e consciência;

·  perda de autoconsciência reflexiva (isto é, perda de consciência de si mesmo como ator social);

· uma sensação de que se pode controlar as próprias ações; isto é, a sensação de que podemos, em princípio, lidar com a situação porque sabemos como responder a tudo o que acontece a seguir;

·  distorção da experiência temporal (normalmente uma sensação de que o tempo passou mais rápido do que o normal);

·  a experiência da atividade como intrinsecamente gratificante, de forma que muitas vezes o objetivo final é apenas uma desculpa para o processo.

 

Portanto, o fluxo indica ser mais alto quando há igualdade entre a dificuldade e a habilidade percebida da tarefa pelos executores (denominado compatibilidade habilidades-demanda). Neste caso, um exemplo numa tarefa de baixa importância e capaz de levar ao fluxo é o videogame pac-man para alguns indivíduos. Desta maneira, o fluxo alto se manifesta em tarefas fáceis e com compatibilidade de demanda de habilidades, em comparação de quando a tarefa é difícil. Já no quesito motivação para realização de uma tarefa, é comum que as pessoas motivadas por sua 'esperança de sucesso', em comparação às com 'medo do fracasso’, as primeiras tendem a potencializar o fluxo durante a tarefa.

 

Assim, o aumento da importância percebida da tarefa tem potencial de aumentar a motivação do sujeito para se engajar nela e, subsequentemente, moderar as condições sob as quais o fluxo foi alcançado.

 

Em termos de fluxo, a “experiência da atividade como intrinsecamente gratificante”, pode ser um dos critérios para entrar em um estado de fluxo, ao invés de um efeito desses estados. Isso sugere que envolver o hiperfoco requer o envolvimento de tarefas, o que seria simplesmente mais comum durante tarefas divertidas ou interessantes.

 

Em relação ao desempenho, o fluxo produz uma execução inerentemente alta. Por exemplo, na execução de uma tarefa em três condições experimentais distintas: tédio, ajuste e sobrecarga, foi visto que na condição de ajuste, observou-se um estado de fluxo, enquanto na condição de sobrecarga e tédio não. Por exemplo:

a) Na condição de tédio, foram feitas perguntas muito fáceis ao longo dos blocos.

b) Na condição de ajuste (ou adaptativo), as dificuldades das questões foram adaptadas com base no desempenho (quando se acertava uma questão, a próxima era mais difícil; quando errava, a próxima era mais fácil).

c) E na condição de sobrecarga, a dificuldade das questões foram consistentemente muito difíceis para os sujeitos ao longo dos blocos.

 

E o mais interessante, visto neste experimento, é que foi apurado um aumento do estresse na condição de sobrecarga, já que os indivíduos estavam lutando para ter sucesso, mas também na condição de ajuste, com os mesmos valores da condição de sobrecarga. Desta maneira, as experiências de fluxo podem ser consideradas como envolvendo tensão excessiva e carga mental de uma perspectiva fisiológica.

 

Resumindo, a definição operacional para quatro características distintas e testáveis ​​do hiperfoco são:

(1) o hiperfoco é induzido pelo engajamento da tarefa;

(2) o hiperfoco é caracterizado por um estado intenso de atenção sustentada ou seletiva;

(3) durante um estado de hiperfoco, há uma percepção diminuída de estímulos não relevantes para a tarefa; e

(4) durante um estado de hiperfoco, o desempenho da tarefa melhora.

 

Fonte: Ashinoff, B. K., & Abu-Akel, A. (2021). Hyperfocus: the forgotten frontier of attention. Psychological research, 85(1), 1–19. https://doi.org/10.1007/s00426-019-01245-8