COMO A REABILITAÇÃO PODE COMBATER O ESTRESSE PARA PREVENIR NOVOS AVEs
Por que ignorar o estresse pode ser um erro clínico na recuperação neurológica
Por décadas, os programas de reabilitação após o AVE priorizaram o treinamento motor, a linguagem e o controle de fatores como hipertensão e colesterol. Mas uma peça essencial permanece subestimada: o estresse.
Pesquisadores como Kronenberg e colegas (2017) apontam que o estresse psicossocial crônico não é apenas um coadjuvante no risco cardiovascular — ele é protagonista. Alterações neuroendócrinas, inflamação sistêmica e comportamentos de risco mediados pelo estresse aumentam de forma direta e mensurável a vulnerabilidade ao acidente vascular cerebral.
Isso significa que, quando uma equipe de reabilitação deixa de abordar o estresse, ela está, sem saber, deixando uma porta aberta para a recorrência.
O corpo se lembra do estresse
Após um AVE, a frequência cardíaca do paciente pode permanecer elevada por semanas — um marcador fisiológico de ativação simpática contínua. Essa resposta, associada ao aumento crônico de cortisol, danifica o endotélio vascular, reduz a variabilidade cardíaca e perpetua um estado de alerta prejudicial à recuperação cerebral.
É como tentar regenerar uma floresta em meio a incêndios recorrentes, ou seja, você pode plantar novas árvores, mas o ambiente continua inflamado.
Não é só psicológico — é biológico
As evidências sugerem que intervenções que reduzem a ativação do eixo HPA (hipotálamo-hipófise-adrenal) e promovem regulação autonômica têm potencial neuroprotetor. Isso inclui desde abordagens farmacológicas até técnicas mente-corpo como mindfulness, biofeedback, terapias baseadas em movimento (como Dança Gaga ou ioga), além da presença de um espaço terapêutico emocionalmente validante.
Algumas clínicas já estão adotando rotinas com sessões de respiração diafragmática, acompanhamento psicoterapêutico e uso de ferramentas digitais de autorregulação — tudo integrado ao plano de reabilitação neurológica.
O perigo invisível do pós-AVE
Entre 30% e 50% dos sobreviventes de AVE desenvolvem depressão ou sintomas de transtorno de estresse pós-traumático. Os efeitos não são apenas emocionais: esses quadros estão associados a menor adesão ao tratamento, pior recuperação funcional e maior mortalidade. Os dados apontam que o estresse é, de fato, uma comorbidade clínica e não apenas um "efeito colateral" da lesão.
O que a equipe de reabilitação pode fazer agora
Monitorar sinais fisiológicos de estresse, como frequência cardíaca e variabilidade da FC.
Incluir triagem de sintomas emocionais na avaliação inicial.
Capacitar a equipe interdisciplinar para reconhecer sinais de sobrecarga emocional.
Oferecer recursos terapêuticos que promovam regulação emocional.
Construir ambientes seguros, previsíveis e acolhedores — não apenas funcionais.
A reabilitação do futuro é integrada
Combater o estresse na reabilitação não é uma “abordagem alternativa”, mas sim uma necessidade baseada em evidência. Se o AVE é uma tempestade, o estresse é o vento invisível que pode reacendê-la. E ignorá-lo seria negligenciar uma das mais fortes correntes que moldam o destino neurológico de nossos pacientes.
Fonte: Kronenberg G, Schöner J, Nolte C, Heinz A, Endres M, Gertz K. Charting the perfect storm: emerging biological interfaces between stress and stroke. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 2017 Sep;267(6):487-494. doi: 10.1007/s00406-017-0794-x. Epub 2017 Apr 9. PMID: 28393267; PMCID: PMC5561158.